[go: nahoru, domu]

Saltar para o conteúdo

Misticismo: diferenças entre revisões

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
revertendo vandalismo e introdução de texto com copyright (indicado pelo próprio contribuidor)
(Há uma edição intermédia do mesmo utilizador que não está a ser apresentada)
Linha 6: Linha 6:


O místico procura na prática espiritual e no estudo das coisas divinas, mais que na racionalidade, as bases para suas concepções de vida, embora muitas vezes o misticismo esteja envolvido com intrincados sistemas que o fundamentam. Este é o caso da [[Cabala]], a tradição [[esoterismo|esotérica]] dos [[Judaísmo|judeus]].
O místico procura na prática espiritual e no estudo das coisas divinas, mais que na racionalidade, as bases para suas concepções de vida, embora muitas vezes o misticismo esteja envolvido com intrincados sistemas que o fundamentam. Este é o caso da [[Cabala]], a tradição [[esoterismo|esotérica]] dos [[Judaísmo|judeus]].

-----------------------------------------------------------------------

Trecho do capítulo III do livro '''Introdução ao Misticismo Cristão''', de J.C. Ismael (ed. Nova Era/Record), 1998.

O misticismo é, como se sabe, um fenômeno (ou protofenômeno, como preferem alguns) presente em todas as grandes religiões, às quais, ao fazer uma espécie de releitura, acrescenta uma dimensão nova, poética, metafísica e existencial. Mergulhar nessa dimensão, na qual residem forças sobre-humanas, e que existe em estado latente naquelas religiões, com mais ou menos profundidade, é tarefa à qual os místicos se sentem predestinados. As religiões orientais -- islã, budismo, hinduísmo, sufismo, taoísmo -- têm, por sua própria natureza, uma vocação fortemente mística desde seu surgimento, desenvolvida, por isso, com grande força e naturalidade, tanto que nelas, ao contrário do que ocorre com o cristianismo, é impensável qualquer outra espécie de comunicação com Deus que não seja a direta: para os religiosos hindus, por exemplo, a separação entre a "individualidade" das pessoas e o Sagrado é mera ilusão (maya), que deve ser combatida até a realização última (atman). No contexto do misticismo cristão, a união da alma com Deus é concedida pela graça.
A literatura mística cristã começa, como vimos, com as Epístolas de São Paulo. Enquanto os Evangelhos contam a vida e a paixão de Cristo, as epístolas são a primeira narrativa de alguém que mostra a, digamos, evolução de uma fé que vai da depositada no Cristo crucificado, passando pela crença na infalibilidade da Igreja, até alcançar a comunhão perfeita com o Filho de Deus. Um atuante fariseu antes da sua conversão, São Paulo é considerado também uma espécie de ponte entre o Velho e o Novo Testamento, pela qual o espiritualismo hebraico contaminou o emergente cristianismo. “São Paulo”, diz Michael Cox, “ilustra claramente a tripla via mística por intermáedio do rigor dos seus ensinamentos morais, a iluminação gradual, como ocorre na vida dedicada a orações e a consumação da união final com Cristo... Sua união com Cristo é uma unidade de fé e de amor, é uma união moral, não metafísica, uma união em que, como ocorre em todo misticismo cristão, a integridade da natureza humana e da natureza divina permanecem invioladas.”
Na Segunda Epístola aos Coríntios (12,2-5), São Paulo conta sua experiência mística de maneira original, ou seja, na terceira pessoa: “Conheço um homem em Cristo, o qual há catorze anos foi arrebatado (não sei se foi no corpo, se fora do corpo [só com a alma], Deus o sabe, até ao terceiro céu.. E sei que este homem (não sei se foi no corpo, se fora do corpo, Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis que não é lícito (ou possível) a um homem proferi-las (explicando-as). Relativamente a este homem me gloriarei, mas quanto a mim, de nada me gloriarei, senão das minhas fraquezas”. A leitura atenta de todo o capítulo mostra que, a exemplo da narrada por São Paulo, muitas experiências do encontro com Deus feitas por místicos cristãos mostram a “divisão” por que passam: despersonificam-se, deixando de lado a imanência do cotidiano, para atingir uma transcendência até então desconhecida. E é justamente esta divisão da personalidade que tem fornecido material para analistas do comportamento humano considerarem a experiência mística apenas um distúrbio da personalidade, generalização obviamente indevida.
Também encontramos no Evangelho de São João (que com as Epístolas de São Paulo forma uma das correntes do misticismo cristão antigo; a outra foi alimentada, como veremos, pelo neoplatonismo) registros de elevada espiritualidade, testemunhas de uma relação fortemente mística com Deus e, como nota Cox, nele a tradiçao mística da Igreja encontra a expressão suprema da interpenetração da matéria pelo espírito, na revelação das possibilidades sacramentais do mundo material. Além disso, é neste texto que, como vimos, reveste a Encarnação de uma doutrina que serviria para distinguir o misticismo cristão de outras manifestações místicas. No preâmbulo da Primeira Epístola, uma espécie de prefácio ao Quarto Evangelho, do qual é complemento, São João traça, com precisão e objetividade aqueles que podem ser considerados os fundamentos do misticismo cristão, ou seja, de como a manifestação do eterno no temporal: “O que foi desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, e contemplamos, e apalparam as nossas mãos relativo ao Verbo da Vida; vida que se manifestou, e nós a vimos, e damos dela testemunho, e vos anunciamos, esta vida eterna, que estava no Pai e que nos apareceu a nós; o que vimos e ouvimos, vo-lo anunciamos, para que vós também tenhais comunhão conosco, e para que a nossa comunhão seja com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo...E a nova luz que ouvimos dele, e que vos anunciamos, é esta: que Deus é luz e não há nele nenhuma treva”.
Porém, não são poucos os que afirmam que quase nada existe de místico no texto, e muito menos no subtexto, da Bíblia -- e que por isso a história das idéias místicas não pode ser considerada tributária legítima do Velho ou do Novo Testamento, pois teriam surgido e se desenvolvido graças a interpretações discutíveis, por serem extremamente pessoais, dos seus exegetas. De acordo com esse raciocínio, os místicos têm com a Bíblia uma relação mais histórica que religiosa, filosófica ou metafísica. Aliás, a origem da perseguição a eles está exatamente nessa "acusação", feita nas épocas negras da intolerância: os místicos nada mais seriam que desvirtuadores da palavra divina, à qual davam uma interpretação própria, como se dela fossem os únicos autênticos portadores. A leitura serena e imparcial dos textos deixados por eles mostra a gratuidade e a perversidade das acusações de que foram alvo: o que na verdade fizeram foi transcender poética, literária e metafisicamente o texto bíblíco, cada um à sua maneira, o que só pode ser considerado heresia pelos inimigos da liberdade religiosa de todos os tempos e lugares.
Esta, por assim dizer, transcendência da Bíblia, é facilmente verificável a partir da constatação de que a essência do pensamento místico encontra-se em inumeráveis passagens do seu texto. Os que afirmam que o Velho Testamento não comporta uma leitura mística justificam-se: ele é um mistura de livros proféticos, hagiográficos e poéticos, com o objetivo primordial de contar a história do povo de Israel. Trata-se de uma simplificação insustentável. Os que a fazem esquecem-se de que Moisés, Abraão e Jacó personificam a quintessência da revelação espiritual e, como os profetas messiânicos, buscam contemplar a face de Deus sem "intermediários". Deus aparece para Abraão inúmeras vezes, a Moisés fala face a face, e na visão de Jacó, a escada que desce do céu para a terra símboliza claramente a ligação entre a vida espiritual e material. "O Deus da Bíblia é o Deus dos contemplativos" afirma Serge Missatkine, certamente baseado na constatação de que o Deus "metafísico" dos místicos está implícito no Gênesis.
Ao criar "o homem à sua imagem e semelhança" (1,26-27), Deus faz o homem participar misticamente da sua intimidade, da unidade divina: o homem não é mera “cópia”, mas uma imagem refletida, imagem que o místico procura durante sua peregrinação pela "noite escura da alma". É claro que a determinação de fazer uma leitura exclusivamente mística do Velho Testamento leva ao extremo do reducionismo e à não menos condenável generalização. Por outro lado, a tarefa de separar o que tem do que não tem caráter místico é difícil, porque se cai no terreno do subjetivo, da interpretação pessoal de cada um. Mas há textos que não deixam margem a dúvida, tal a sua força especulativa, a que se soma a angústia metafísica causada por um "Deus escondido" e por um "Deus procurado", narrada com refinada e extrema beleza poética. Entre eles, destacam-se os Livros de Jó e do Eclesiastes, os Salmos e o Cântico dos Cânticos.

-----------------------------------------------





== {{Veja também}} ==
== {{Veja também}} ==

Revisão das 16h19min de 31 de julho de 2005

Misticismo designa um conjunto de crenças e concepções, heterogêneas e não muito bem definidas, que se preocupam com a busca de conhecimento espiritual direto mediante processos psíquicos que ultrapassam as funções intelectuais. Nesta perspectiva, o misticismo é um caminho prático de evolução, realização pessoal e felicidade.

As correntes místicas pregam a experiência direta do divino, comumente chamada de experiência mística, e muitas vezes descrita como iluminação. A experiência mística é um estado de consciência em que o místico tem um vislumbre daquilo que está além deste plano físico, e muitas vezes é descrito como união com o Todo. Isto só pode ser alcançado, segundo os místicos, por uma disciplina espiritual que visa distanciar-se das coisas mundanas.

Muitas vezes a experiência mística é descrita por aqueles que a sentem como uma "visão direta de Deus". Tais fenômenos estão presentes tanto no Velho Testamento quanto no Novo Testamento da Bíblia e na cultura oriental (budismo, hinduísmo, yoga, etc.).

O místico procura na prática espiritual e no estudo das coisas divinas, mais que na racionalidade, as bases para suas concepções de vida, embora muitas vezes o misticismo esteja envolvido com intrincados sistemas que o fundamentam. Este é o caso da Cabala, a tradição esotérica dos judeus.


Trecho do capítulo III do livro Introdução ao Misticismo Cristão, de J.C. Ismael (ed. Nova Era/Record), 1998.

O misticismo é, como se sabe, um fenômeno (ou protofenômeno, como preferem alguns) presente em todas as grandes religiões, às quais, ao fazer uma espécie de releitura, acrescenta uma dimensão nova, poética, metafísica e existencial. Mergulhar nessa dimensão, na qual residem forças sobre-humanas, e que existe em estado latente naquelas religiões, com mais ou menos profundidade, é tarefa à qual os místicos se sentem predestinados. As religiões orientais -- islã, budismo, hinduísmo, sufismo, taoísmo -- têm, por sua própria natureza, uma vocação fortemente mística desde seu surgimento, desenvolvida, por isso, com grande força e naturalidade, tanto que nelas, ao contrário do que ocorre com o cristianismo, é impensável qualquer outra espécie de comunicação com Deus que não seja a direta: para os religiosos hindus, por exemplo, a separação entre a "individualidade" das pessoas e o Sagrado é mera ilusão (maya), que deve ser combatida até a realização última (atman). No contexto do misticismo cristão, a união da alma com Deus é concedida pela graça. A literatura mística cristã começa, como vimos, com as Epístolas de São Paulo. Enquanto os Evangelhos contam a vida e a paixão de Cristo, as epístolas são a primeira narrativa de alguém que mostra a, digamos, evolução de uma fé que vai da depositada no Cristo crucificado, passando pela crença na infalibilidade da Igreja, até alcançar a comunhão perfeita com o Filho de Deus. Um atuante fariseu antes da sua conversão, São Paulo é considerado também uma espécie de ponte entre o Velho e o Novo Testamento, pela qual o espiritualismo hebraico contaminou o emergente cristianismo. “São Paulo”, diz Michael Cox, “ilustra claramente a tripla via mística por intermáedio do rigor dos seus ensinamentos morais, a iluminação gradual, como ocorre na vida dedicada a orações e a consumação da união final com Cristo... Sua união com Cristo é uma unidade de fé e de amor, é uma união moral, não metafísica, uma união em que, como ocorre em todo misticismo cristão, a integridade da natureza humana e da natureza divina permanecem invioladas.” Na Segunda Epístola aos Coríntios (12,2-5), São Paulo conta sua experiência mística de maneira original, ou seja, na terceira pessoa: “Conheço um homem em Cristo, o qual há catorze anos foi arrebatado (não sei se foi no corpo, se fora do corpo [só com a alma], Deus o sabe, até ao terceiro céu.. E sei que este homem (não sei se foi no corpo, se fora do corpo, Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis que não é lícito (ou possível) a um homem proferi-las (explicando-as). Relativamente a este homem me gloriarei, mas quanto a mim, de nada me gloriarei, senão das minhas fraquezas”. A leitura atenta de todo o capítulo mostra que, a exemplo da narrada por São Paulo, muitas experiências do encontro com Deus feitas por místicos cristãos mostram a “divisão” por que passam: despersonificam-se, deixando de lado a imanência do cotidiano, para atingir uma transcendência até então desconhecida. E é justamente esta divisão da personalidade que tem fornecido material para analistas do comportamento humano considerarem a experiência mística apenas um distúrbio da personalidade, generalização obviamente indevida. Também encontramos no Evangelho de São João (que com as Epístolas de São Paulo forma uma das correntes do misticismo cristão antigo; a outra foi alimentada, como veremos, pelo neoplatonismo) registros de elevada espiritualidade, testemunhas de uma relação fortemente mística com Deus e, como nota Cox, nele a tradiçao mística da Igreja encontra a expressão suprema da interpenetração da matéria pelo espírito, na revelação das possibilidades sacramentais do mundo material. Além disso, é neste texto que, como vimos, reveste a Encarnação de uma doutrina que serviria para distinguir o misticismo cristão de outras manifestações místicas. No preâmbulo da Primeira Epístola, uma espécie de prefácio ao Quarto Evangelho, do qual é complemento, São João traça, com precisão e objetividade aqueles que podem ser considerados os fundamentos do misticismo cristão, ou seja, de como a manifestação do eterno no temporal: “O que foi desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, e contemplamos, e apalparam as nossas mãos relativo ao Verbo da Vida; vida que se manifestou, e nós a vimos, e damos dela testemunho, e vos anunciamos, esta vida eterna, que estava no Pai e que nos apareceu a nós; o que vimos e ouvimos, vo-lo anunciamos, para que vós também tenhais comunhão conosco, e para que a nossa comunhão seja com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo...E a nova luz que ouvimos dele, e que vos anunciamos, é esta: que Deus é luz e não há nele nenhuma treva”. Porém, não são poucos os que afirmam que quase nada existe de místico no texto, e muito menos no subtexto, da Bíblia -- e que por isso a história das idéias místicas não pode ser considerada tributária legítima do Velho ou do Novo Testamento, pois teriam surgido e se desenvolvido graças a interpretações discutíveis, por serem extremamente pessoais, dos seus exegetas. De acordo com esse raciocínio, os místicos têm com a Bíblia uma relação mais histórica que religiosa, filosófica ou metafísica. Aliás, a origem da perseguição a eles está exatamente nessa "acusação", feita nas épocas negras da intolerância: os místicos nada mais seriam que desvirtuadores da palavra divina, à qual davam uma interpretação própria, como se dela fossem os únicos autênticos portadores. A leitura serena e imparcial dos textos deixados por eles mostra a gratuidade e a perversidade das acusações de que foram alvo: o que na verdade fizeram foi transcender poética, literária e metafisicamente o texto bíblíco, cada um à sua maneira, o que só pode ser considerado heresia pelos inimigos da liberdade religiosa de todos os tempos e lugares. Esta, por assim dizer, transcendência da Bíblia, é facilmente verificável a partir da constatação de que a essência do pensamento místico encontra-se em inumeráveis passagens do seu texto. Os que afirmam que o Velho Testamento não comporta uma leitura mística justificam-se: ele é um mistura de livros proféticos, hagiográficos e poéticos, com o objetivo primordial de contar a história do povo de Israel. Trata-se de uma simplificação insustentável. Os que a fazem esquecem-se de que Moisés, Abraão e Jacó personificam a quintessência da revelação espiritual e, como os profetas messiânicos, buscam contemplar a face de Deus sem "intermediários". Deus aparece para Abraão inúmeras vezes, a Moisés fala face a face, e na visão de Jacó, a escada que desce do céu para a terra símboliza claramente a ligação entre a vida espiritual e material. "O Deus da Bíblia é o Deus dos contemplativos" afirma Serge Missatkine, certamente baseado na constatação de que o Deus "metafísico" dos místicos está implícito no Gênesis. Ao criar "o homem à sua imagem e semelhança" (1,26-27), Deus faz o homem participar misticamente da sua intimidade, da unidade divina: o homem não é mera “cópia”, mas uma imagem refletida, imagem que o místico procura durante sua peregrinação pela "noite escura da alma". É claro que a determinação de fazer uma leitura exclusivamente mística do Velho Testamento leva ao extremo do reducionismo e à não menos condenável generalização. Por outro lado, a tarefa de separar o que tem do que não tem caráter místico é difícil, porque se cai no terreno do subjetivo, da interpretação pessoal de cada um. Mas há textos que não deixam margem a dúvida, tal a sua força especulativa, a que se soma a angústia metafísica causada por um "Deus escondido" e por um "Deus procurado", narrada com refinada e extrema beleza poética. Entre eles, destacam-se os Livros de Jó e do Eclesiastes, os Salmos e o Cântico dos Cânticos.




Ver também

Este artigo é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o. Editor: considere marcar com um esboço mais específico.