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Armadillidium vulgare

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Como ler uma infocaixa de taxonomiaArmadillidium vulgare
É característica da espécie Armadillidium vulgare o corpo convexo e cinza-escuro.[1]
É característica da espécie Armadillidium vulgare o corpo convexo e cinza-escuro.[1]
Classificação científica
Reino: Animalia
Filo: Arthropoda
Subfilo: Crustacea
Classe: Malacostraca
Ordem: Isopoda
Subordem: Oniscidea
Família: Armadillidiidae
Género: Armadillidium
Espécie: A. vulgare
Nome binomial
Armadillidium vulgare
Latreille, 1804

Armadillidium vulgare conhecida por bicho-de-conta[2] ou tatuzinho-de-jardim[3] é uma espécie de distribuição global[4] originária do Mediterrâneo, provavelmente da parte oriental,[1] como os demais do grupo vulgare.[5] Exótica no Brasil, onde é encontrada em zonas de influência antrópica.[6] O macho tem 13,6 mm de comprimento por 6,4 mm de largura, e a fêmea, 15,1 mm por 7,3 mm.[1] Ao nascer, os filhotes apresentam um par de pernas a menos do que os adultos, que surge posteriormente.[7]

Conhece-se muitos aspectos de sua biologia devido à grande quantidade de estudos a seu respeito.[6] Podem atacar orquidáceas, roendo raízes e brotos, bem como ervilhas e outras hortaliças.[5] Causam perdas em pimentões recém transplantados de até 40%, em tomate 70% e em feijoeiro até 80%.[5] Realizam desovas subsequentes, com maior produção de ovos do que as anteriores.[8]

São hospedeiros intermediários de Dispharynx nasuta e de acantocéfalos.[9] Este últimos, ao infectarem o A. vulgare, lhes dão uma tendência a se exporem mais à luz solar, e, conjuntamente com o desenvolvimento do parasitado, confere-lhe coloração diferente do normal.[9] Isto garante que o ciclo de vida do parasito será concluído, com a predação do isópode pelo hospedeiro definitivo.[9] Também são parasitados por nematóides.[1]

O sistema neurossecretor do órgão-X/glândula sinusal localizado no protocérebro é o maior centro neuroendócrino no isópodo Armadillidium vulgare.[10] Diferentemente da molécula de mtDNA de um crustáceo típico, que possui aproximadamente de 15 a 17 kb, o crustáceo terrestre isópodo Armadillidium vulgare possui um mtDNA atípico de 20 a 24 kb.[11] Os pulmões invaginados do Armadillidium vulgare formam pseudotraqueias, que são interpretadas como uma adaptação à respiração que permite ao A. vulgare obter 94% de sua necessidade normal de oxigênio no ar seco, quanto o tegumento também está seco.[12]

Determinação do sexo

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No isópodo terrestre Armadillidium vulgare a determinação básica do sexo é genética: os machos são homogaméticos (ZZ) e as fêmeas são heterogaméticas.[13] Estas fêmeas genéticas produzem proles com números iguais de machos e fêmeas (proporção de sexo = 1:1).[13]

A remoção da glândula androgênica em indivíduos da espécie Armadillidium vulgare causa a completa feminização de jovens machos, e a inserção da glândula de machos adultos em fêmeas jovens causa a completa e total reversão funcional do sexo.[14]

Distorção da proporção de sexos

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Armadillidium vulgare é uma das espécies com mais exemplos documentados de distorcedores da proporção dos sexos.[15] Em várias populações as proporções de sexo são frequentemente tendentes a fêmeas.[13] Tem sido mostrado nestas populações que a determinação de sexo da maioria dos indivíduos está sob o controle de fatores sexuais extra-cromossômicos que sobrepõem-se ao efeito dos cromossomos sexuais.[13]

Legrand e Juchault propuseram que o mecanismo de determinação de sexo do Armadillidium vulgare está em permanente evolução.[16] O início desta evolução pode corresponder à substituição do sistema homo-heterogamético pelo sistema determinador de F, provavelmente após um processo co-evolucionário envolvendo uma forma patogênica primitiva da bactéria F e seu hospedeiro.[16] A bactéria F pode ter invadido as populações devido à sua alta transmissão à prole (aproximadamente 80%).[16] A transferência de parte do DNA de F ao genoma hospedeiro (=f) e a propagação deste novo fator sexual nas populações seria o passo final desta evolução.[16] Consequentemente, a determinação de sexo sob o controle de um parasita final (um gene) tenderia a substituir a determinação de sexo heterocromosomático.[16]

Fatores sexuais parasíticos

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Armadillidium vulgare é o exemplo mais estudado de determinação do sexo por fatores sexuais parasíticos.[16] Nesta espécie, fatores sexuais parasíticos transmitidos maternalmente tendem a substituir a determinação sexual homo-heterogamética (onde ZZ é macho e WZ é fêmea).[15][16] Um destes fatores sexuais parasíticos é uma bactéria parecida com a Wolbachia (F)[13] encontrada no citoplasma de células hospedeiras.[15][16] A natureza do segundo fator sexual (f) permanece desconhecida, mas dados experimentais sugerem que este segundo fator pode ser um segmento do genoma bacterial do primeiro fator integrado instavelmente no genoma do hospedeiro.[15][16][13] Apesar de f ser primariamente transmitido pelas mães, transmissão paternal tem sido observada ocasionalmente.[16]

Os dois fatores sexuais parasíticos da espécie estão presentes na maioria das populações selvagens, que, consequentemente, tendem a apresentar mais fêmeas.[15] Em várias populações, o alelo nuclear determinante do sexo feminino (W) desapareceu, e todos os indivíduos são geneticamente machos, por exemplo, machos ZZ sem fatores sexuais parasíticos e neo-fêmeas ZZ +F ou ZZ +f revertidas pelos fatores sexuais parasíticos.[15] Na natureza, neo-fêmeas ZZ +F produzem ninhadas com alta tendência a fêmeas (85% em média), enquanto neo-fêmeas ZZ +f produzem ninhadas de proporções de sexo mais variáveis (65% de fêmeas, em média) devido a uma taxa de transmissão de f para a prole.[15]

Estas altas proporções de fêmeas são devido a dois tipos de ninhada: uma maioria de neo-fêmeas produz ninhadas totalmente composta por fêmeas, enquanto poucas produzem ninhadas tendendo para machos ou ninhadas com altas taxas de intersexos do tipo ZZ +F.[15] Os intersexos são de três tipos:[15]

  • intersexo feminino (iF) que são funcionalmente fêmeas com pequenos endópodos[15] e pequenos caracteres masculinos externos;[16]
  • intersexo masculino (iM) que são indivíduos estéreis com gonópodos masculinos incompletos[15] e caracteres masculinos externos desenvolvidos;[16]
  • machos funcionais com orifícios genitais femininos (♂og).[15]

Os dois primeiros tipos (iF e iM) abrigam F.[15] Eles iniciam seu desenvolvimento sexual por um estágio masculino, que então se interrompe, permitindo o desenvolvimento feminino.[15] Por outro lado, ♂ogs são os indivíduos com desenvolvimento inicial feminino seguido de desenvolvimento masculino.[15] A produção de machos, que permite às populações selvagens sobreviverem, sugere que o controle da transmissão ou expressão do fator sexual parasítico é possível.[15] Um tipo de controle tem sido notado em linhagens abrigando a bactéria F: a transmissão bacterial à prole foi limitada por certos genótipos, induzindo a produção de ninhadas altamente tendentes a machos por neo-fêmeas ZZ +F.[15]

Gene masculinizante

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Em populações onde F e f (dois fatores sexuais parasíticos) estão presentes, não há fêmeas genéticas e todos os indivíduos são geneticamente machos.[16] Nestas populações, os machos são principalmente produzidos por genes do Armadillidium vulgare que limitam a expressão ou transmissão dos fatores sexuais parasíticos.[16]

Um gene masculinizante (M) foi descoberto em populações selvagens de Armadillidium vulgare que abrigavam fatores sexuais parasíticos.[15] Este gene tem a capacidade de inibir a expressão de f e parcialmente a de F.[16] As propriedades masculinizadoras deste gene dominante autossômico foram demonstradas ao se cruzar machos abrigando M com fêmeas genéticas (WZ).[15] O resultado dos cruzamentos pode ser descrito pela seguinte equação:[15]

(♂) ZZ Mm x (♀) WZ mm → ZZ Mm (♂) + WZ Mm (♂ ou ♂og) + ZZ mm (♂) + WZ mm (♀)[15]

Neste cruzamento, metade dos indivíduos WZ são revertidos em machos funcionais pelo gene M, inibindo o determinante feminino carregado no cromossomo W.[15] A presença de ♂og nos progênies denota a presença de M em um dos progenitores: este fenótipo resulta de um efeito atrasado de M no gene determinante do sexo feminino.[15] Apesar de haver suspeita deste gene ser responsável por altas proporções de machos em cepas portadoras de fatores sexuais parasíticos, isto não foi formalmente demonstrado.[15] Entretanto, foi mostrado que a presença de M é correlacionada com a produção de altas proporções de intersexos em ninhadas de neo-fêmeas ZZ +F.[15]

Referências
  1. a b c d «BIOLOGIA E CONTROLE DE ARTRÓPODES DE IMPORTÂNCIA FITOSSANITÁRIA(DIPLOPODA, SYMPHYLA, ISOPODA), POUCO CONHECIDOS NO BRASIL» (PDF). Instituto Biológico. Dezembro de 2001. pp. 10–13. Consultado em 26 de setembro de 2011 
  2. Pinto, B. (2010). Guia de campo – Dia B, 22 Maio de 2010, bioeventos.
  3. O tatuzinho-de-jardim como auxiliar na educação ambiental.
  4. «CATALOGUE OF CRUSTACEA OF BRAZIL». Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (em inglês). Universidade Federal do Rio de Janeiro. 143 páginas. Consultado em 29 de setembro de 2011. Arquivado do original (DOC) em 3 de março de 2012. Armadillidium vulgare [...] Geographic distribution: Worldwide. Brazil (BA, MG, RJ, SP, SC, RS) 
  5. a b c «EFICIÊNCIA DE ISCAS TÓXICAS NO CONTROLE DE ARMADILLIDIUM VULGARE(LATREILLE, 1804) (CRUSTACEA, ISOPODA) EM LABORATÓRIO» (PDF). Pontifícia Universidade Católica de Campinas. 2002. 41 páginas. Consultado em 25 de setembro de 2011. Esse trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar a eficiência de iscas tóxicas no controle de Armadillidium vulgare. [...] As avaliações foram realizadas [...] através da contagem de tatuzinhos mortos. [...] Armadillidium vulgare [...] é originário da região mediterrânea, provavelmente da parte oriental, como os demais do chamado grupo “vulgare”. mas se encontra distribuído atualmente por diversas partes do globo [...]. CAMARGO (1955) observou que esta espécie pode atacar orquidáceas, roendo as raízes e os brotos. Em pimentões recém transplantados as perdas podem atingir 40%, sendo que as plantas são cortadas na base. Em tomate as perdas podem chegar a 70% e em feijoeiro a 80%. Além dessas podem atacar ervilhas e outras hortaliças. [...] Posteriormente, cada grupo de dez tatuzinhos [...]. [ligação inativa]
  6. a b «UTILIZAÇÃO DE UM PLÁSTICO BIODEGRADÁVEL PELO ISÓPODO TERRESTRE ARMADILLIDIUM VULGARE (LATREILLE)(CRUSTACEA, ONISCIDEA).» (PDF). Sociedade de Ecologia do Brasil. Setembro de 2007. 1 páginas. Consultado em 25 de setembro de 2011. Arquivado do original (PDF) em 25 de julho de 2014. Os isópodos terrestres (Crustacea, Oniscidea) são representantes da macrofauna de solo saprófaga, fortemente envolvidos nos processos de decomposição, com reconhecida importância na decomposição da matéria orgânica e dinâmica da formação do solo. [...] A espécie escolhida para o estudo é Armadillidium vulgare [...]. Ela é exótica no Brasil onde é encontrada em locais com influência antrópica. É uma espécie bastante estudada e são conhecidos vários aspectos da sua biologia. Os resultados gerados com esta espécie no Brasil podem ser facilmente utilizados e por pesquisadores de vários países, pois se trata de uma espécie com distribuição mundial. 
  7. «ASPECTOS DA RELAÇÃO SIMBIÓTICA ENTRE AS BACTÉRIAS Wolbachia (Alphaproteobacteria, Rickettsiales) E OS ISÓPODOS TERRESTRES (Crustacea, Oniscidea)» (PDF). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2010. pp. 2;5–6;17. Consultado em 25 de setembro de 2011 
  8. «Investimento reprodutivo e produção de ovos em desovas consecutivas do caranguejo Aratus pisonii (H. Milne Edwards) (Crustacea, Brachyura, Grapsoidea)» (PDF). Revista Brasileira de Zoologia. Scielo. Setembro de 2006. 731 páginas. Consultado em 21 de setembro de 2011. Maior produção de ovos em desovas subseqüentes em relação à anterior tem sido relatada para [...] o Isopoda Armadillidium vulgare [...]. 
  9. a b c «ANÁLISE FAUNÍSTICA DOS HELMINTOS DE PARDAIS (PASSER DOMESTICUS L.,1759) CAPTURADOS EM CAMPO GRANDE, RIO DE JANEIRO, RJ» (PDF). Memorial Instituto Oswaldo Cruz. Scielo. 1992. 46 páginas. Consultado em 21 de setembro de 2011. [...] D. nasuta utiliza como hospedeiro intermediário isópodes terrestres, como [...] Armadillidium vulgare. [...] Estes isópodes podem também ser hospedeiros intermediários de algumas espécies de acantocéfalos. No presente estudo, foi observado um isópode com coloração branca infectado com três acantelas e em local protegido da umidade. [...] os isópodes quando infectados com acantelas, possuem uma tendência a se exporem à luz solar. [...] quando as larvas de acantocéfalos, crescem, simultaneamente com o isópode terrestre jovem infectado, ocorre um processo patológico no isópode, levando-o a apresentar uma pigmentação distrófica, tornando-o muito mais destacado no local em que vive. Assim, as alterações de comportamento e de coloração citadas, tornam os isópodes terrestres infectados, muito mais susceptíveis à predação, garantindo o ciclo de vida do acantocéfalo. 
  10. «Isolation and molecular characterization of a hyperglycemic neuropeptide from the sinus gland of the terrestrial isopod Armadillidium vulgare (Crustacea)» (PDF). European Journal of Biochemistry (em inglês). Wiley. 1993. 601 páginas. Consultado em 26 de fevereiro de 2012. The X-organ/sinus gland neurosecretory system located in the protocerebrum is the major neuroendocrine center in the isopod Armadillidium vulgare [...]. 
  11. «Organization of the Large Mitochondrial Genome in the Isopod Armadillidium vulgare» (PDF) (em inglês). Genetics. 21 de setembro de 1998. 203 páginas. Consultado em 10 de março de 2012. The typical crustacean mtDNA molecule is ~15-17 kb [...], but the terrestrial crustacean isopod Armadillidium vulgare has an atypical mtDNA that is 20-42 kb [...]. 
  12. «Conglobation in the Pill Bug, Armadillidium vulgare, as a Water Conservation Mechanism». The Journal of Insect Science (em inglês). National Center for Biotechnology Information. 25 de agosto de 2007. Consultado em 6 de abril de 2012. The invaginated lungs of A. vulgare form “pseudotracheae,” which are interpreted as an adaptation for respiration that allows A. vulgare to take up 94% of its normal oxygen requirement in dry air, when the integument is also dry [...]. 
  13. a b c d e f «Genetic control of the vertical transmission of a cytoplasmic sex factor in Armadiiidium vulgare Latr. (Crustacea, Oniscidea)» (PDF). Heredity (em inglês). Nature. 1992. 47 páginas. Consultado em 20 de fevereiro de 2012. In the terrestrial Isopod Armadillidium vulgare (pillbug), the basis of sex determination is genetic: the males are homogametic (ZZ) and the females heterogametic [...]. These genetic females produce broods with equal numbers of males and females (sex ratio = 1:1). However, in several natural populations, sex ratios are often female biased [...]. It has been shown in such populations that sex determination of most individuals is under the control of extrachromosomal sex factors which override the sexual chromosomes' effect [...]. One of these factors (named F) has been characterized as a feminizing symbiotic endocellular bacteria carried by females, located in any tissue, but especially in the oocytes [...]. This bacteria recalls the Rickettsiales [...], and more particularly the Wolbachia sp. observed in different species of mosquito [...]. [...] Some genetical and physiological data suggest that factor f could be a segment of F bacterial DNA integrated in the Isopod genome [...]. 
  14. «The structure of a glycosylated protein hormone responsible for sex determination in the isopod, Armadillidium vulgare» (PDF). European Journal of Biochemistry (em inglês). Wiley. 1999. 727 páginas. Consultado em 24 de fevereiro de 2012. In the woodlouse Armadillidium vulgare, ablation of the androgenic glands causes complete feminization of young males [...]. By grafting androgenic gland from adult males into young females, the complete and fully functional reversal of sex has been accomplished [...]. 
  15. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y «Conflict Between Feminizing Sex Ratio Distorters and an Autosomal Masculinizing Gene in the Terrestrial Isopod Armadillidium vulgare Latr.» (PDF) (em inglês). Genetics. 1992. pp. 247–248. Consultado em 7 de fevereiro de 2012 
  16. a b c d e f g h i j k l m n o «Evolution of sex-determining mechanisms in a wild population of Armadihidium vulgare Latr. (Crustacea, Isopoda): competition between two feminizing parasitic sex factors» (PDF). Heredity (em inglês). Nature. 1992. pp. 382–383. Consultado em 19 de fevereiro de 2012